Viagem pela Suíça: nas montanhas de Frankenstein, Gogol e Rousseau

Em Novembro, de viagem pela Suíça, percorri as regiões de Genebra, Vevey e Montreaux. Vários proeminentes intelectuais escolheram a Suíça, ora para viajar, ora para viver. Fuga ideal dos problemas que assolam o continente, quase uma ilha cerceada pelas intempéries das revoluções e das guerras, a Suíça sobrevive como uma pérola preservada das irregularidades da história. O percurso em torno dos lagos deixa a visão de um paraíso perdido. Particularmente, a paisagem do Lago Genebra (também designado Lago Léman) trouxe-me à memória o livro de Mery Shelley, “Frankenstein, ou o Prometeu Moderno” que li há bastantes anos, na edição da Penguin. Infelizmente não visitei a Villa Diodati, onde Percey e Mery Shelley se hospedaram a convite de Lord Byron (juntamente com John Polidori e Claire Clairmont), falha que não me impediu de identificar a mesma força dos elementos que a autora terá contemplado, porque foi nessa mesma paisagem que circunda o lago Léman, que Shelley retirou a inspiração para escrever aquele romance prodigioso.

Mary Shelley, 1831. Artist: Stump, Samuel John (1778-1863).

A paisagem do lago desolado na sua tonalidade cinza (e tão infame como qualquer oceano), as íngremes e desérticas montanhas de cume gelado é o cenário ideal para o monstro fugido das entranhas da modernidade. Ali reside toda a força e expressividade da natureza, o contraste necessário para atormentar o viajante desprevenido. Uma visão tão arrogante e majestática, sombria e bela, podia servir os propósitos do romance gótico. O gelo das montanhas é sem dúvida o refúgio perfeito para uma criatura monstruosa e no seu âmago podem perder-se os desvairos da modernidade. Naqueles cumes gelados, a vida reduz-se ao instinto de sobrevivência e o criador e a criatura podem ajustar contas.

Nos seus contrastes, e no paradoxo da sua beleza, a paisagem em torno do lago é toda uma narrativa de luta do homem contra as intempéries. Assim Mary Shelley imaginou o seu “Prometeu Moderno”, mas num reportório singular, onde a natureza é inclemente e produz os subterfúgios do medo capaz de absorver o próprio terror saído da ciência. No final, a monstruosidade foge, não dessa obscuridade inóspita, mas da própria civilização, para depois se remeter ao silêncio do gelo.

Uma das mais belas passagens do livro pode muito bem fazer justiça à paisagem:

《I have seen,” he said, “the most beautiful scenes of my own country; I have visited the lakes of Lucerne and Uri, where the snowy mountains descend almost perpendicularly to the water, casting black and impenetrable shades, which would cause a gloomy and mournful appearance, were it not for the most verdant islands that relieve the eye by their gay appearance; I have seen this lake agitated by a tempest, when the wind tore up whirlwinds of water, and gave you an idea of what the waterspout must be on the great ocean; and the waves dash with fury the base of the mountain, where the priest and his mistress were overwhelmed by an avalanche, and where their dying voices are still said to be heard amid the pauses of the nightly wind(…)

The mountains of Switzerland are more majestic and strange; but there is a charm in the banks of this divine river, that I never before saw equalled.》(Mary Shelley, “Frankenstein”)

Ainda em Vevey encontrei outro ilustre. Nikolai Gogol viveu algum tempo nesta cidade, por volta de 1836, onde escreveu a primeira parte do seu romance “Almas Mortas”. Como outros grandes intelectuais o escritor percorreu os principais centros da cultura Europeia, com passagem obrigatória por Itália e França. Numa era marca pela efervescência política, o então jovem de 27 anos preferiu recolher-se à acalmia da natureza, mais conducente com a meditação do que com a agitação do tempo. E que melhor escolha do que junto ao Lago Leman? A escultura em bronze ( na fotografia) do artista ucraniano Anatoliy Valiev homenageia o escritor.

No acaso (e sem que me ocorresse) acabei por tropeçar em Rousseau. O edifício (foto abaixo) é o restaurante “La Clef”, que o filósofo costumava frequentar, no seu interior ainda se conserva a mesa onde comia e, no andar superior, ficou também hospedado. Neste espaço escreveu algumas das suas principais obras. Figura proeminente do Iluminismo, a passagem de Rousseau ficou imortalizada nesta placa.

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